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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Conto e Poesias, de Raul Machado


O Menino

-Olhe isto aqui!

E ele tapava os seus olhos negros com a mão. Pequena mão que lhe cobria o pequeno e magro rosto. Rosto tão claro quanto eram negros seus olhos. Ele não queria ver. Queria a escuridão, toda ela, dos redondos dos seus olhos tristes.

Ele, que tão bem conseguia enxergar. Já havia visto tanto o laranja da pitanga. E agora não queria ver mais aqui fora. Só ali dentro. De sua mão.

É como se todo o universo, com suas estrelas faiscando, coubesse na sua mão de criança. E, fechadinho na sua palma, coubesse no seu olho. Entrando ali, pelo cantinho. Pelo branco do rosto. E era tudo tão escuro quanto sombras. E cabia tanto ali.

-Olhe aqui, meu filho. Veja só. Quanto tudo!

Ele corria, sozinho, para seu quarto. Gostava de desligar as luzes e fechar as cortinas. Brincar de fazer noite em plena tarde de verão, onde o sol é rei. Fingia estar nas últimas horas do dia, enquanto todos lá fora eram tão sérios quanto os ponteiros em 15:45.

Roubava do armário um sobretudo do pai. Imaginava-se fumando e tomando café com uísque, como fazia seu avô. Antes de dormir. E fechava os olhos, virando-os para si mesmo, como se pudesse enxergar um ovo brotando em sua barriga, escorrendo aquele amarelo tão vivo por entre as suas vísceras, explodindo omelete nos pulmões, saindo passarinho pela boca. Voando. Apitando.

Ahhhhhhhhhhhhhh. E ninguém o ouviu.

Ele era sombra. Sombra de gente. Diziam os mais prestigiados especialistas em prêmios televisivos.

Ele se fechou. Como fazia com sua mão. Gritou pra dentro. Dentro daquele mundo tão gordo que havia criado em seus olhos.

Forçou, levemente, o dedo no globo ocular.

Forçou mais um pouco.

Na gana de entrar em seu próprio berço. Na própria buceta, parida por ele mesmo entre enxaquecas e solidões. Enfiou. Enfiou-se.

Um pingo ecoou no sótão daquela casa velha de madeira. Os pais abaixo, no andar principal, comiam olhos de cabra ao molho francês. Quando não se sabe o nome de molhos, dize-se que é francês.

Ninguém o ouviu. O grito já não se expelia. Impelia-se. O dedo, junto ao globo todo, inclusive ocular, ferido, sangrava dentro da cavidade craniana do menino.

-Olhe aqui! Veja ali! Abra os olhos, meu filho!

E ele resolveu, mais uma vez, colocar sob o buraco que lhe adentrava a cabeça e que se enchia de sangue, a sua mão. A sua pequena e pura mão.

E pela última vez o universo inteiro abriu-se à sua frente.

Cego, agora, usava óculos escuros e já não sabia mais o que era fingir. Nem fazer poesia.


Invernos e Solidões

Refúgio

É um cinza

Que pinga na madeira


Cheiro de mato

Que o vento gelado trás

É um calor vermelho

Entre silêncios de carinhos

Cafés

E cobertores


Desejos do Dormir

Só irei ao meu quarto

Quando ele virar lua

E no escuro me despir


Tomaremos aquela taça

E aquele barco

Sujando-nos de sangue e sonhos

Para gozarmos ao fim

De mais um filme:

-Longo.