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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Conto

*De Raul Machado

*Experiência de escrever livremente, rimando sem pretensão. Conto-Livre.Vejam o resultado da brincadeira:



Na gaveta há morangos de verão

Acordes de violão me acordam com a corda no pescoço, como um cão sem seu osso, sem seu céu, como eu sem meu chapéu. Ah, se na minha gaveta houvesse morangos, já dizia o profeta e o feirante que me entrega abacaxis de bicicleta. Mas não há não, ainda não é verão. –Só no Japão, grita Anacleto, meu sobrinho que não enxerga de perto. Sim, ele está correto. Que merda!
Confesso, de tarde eu tardo a ver o mundo certo. Os vizinhos fazem um alarde, mas eu calmamente desligo meu alarme. Não há ladrão, e se tivesse já estaria rendido pedindo perdão, chorando como criança no chão. Que ânsia... Talvez fosse vontade de vingança, ou o telefonema da minha ex avisando-me que teve uma criança. Se tivesse casado com ela, poderia ter sido um burguês, ao menos uma vez. Mas a rejeitei, quanta sensatez!
Voltando ao assunto, eu quero mudar o mundo, quero ser mais astuto, e tudo isso com meus amigos juntos. Mas o que mais me intriga, ainda são os morangos da sensação, do verão, que me valem uma boa briga.
Tudo houve de mudar quando o mudo ousou falar. “As escadas, quando grandes, cansam mais que tiros de armas”. Ouvi, meditei, mijei, de bêbado cai. Mas a mensagem não foi de passagem, apesar de minha pouca idade, escutei como se fosse lema de toda eternidade! Mas que pena de mim, moleque sem fim, desiludido e perdido pela busca de dim-dim. Queria os morangos, e teria que ser assim, uma épica busca, como virgem pela puta, nada estática, muito estética... Enfim.
Em fria noite de inverno, eu que dormia como urso iberno, me via como fraco humano que chora ao deparar-se com o inferno, sem reza que me salve, sem preza que me acalme, sem remédio que me cure, sem anjo que prometa o eterno que me ature. Deus, onde estão os amigos teus? Pois lá descobri que o diabo odeia pecador atrasado, banana com açaí e queijo quente no calor, além de amor mal amado. Mandei-lhe um beijo e sorri. Ledo engano, aqui não sou eu quem mando. Estou queimando!
-E o meu morango? Meu morango de verão?
Deu uma pirueta, e seguiu andando, como Michael Jackson deslizando no chão.
-Seu morango, aquele do verão, está naquela gaveta.
Quase abri uma vez. Na segunda abri e me perdi. Na terceira me fez de freguês. Beijei o capeta. A culpa me satisfez. Agora é sua vez, disse amassando o pão, o próprio cão. Que tesão!
Vi surgir do nada, a arca de Noé, cair como água uma chuva de “mé”, acredite quem quiser. O paraíso se abriu, era ainda verão e já era abril, era o fim e Caim não partiu, somente de desilusão discretamente caiu. Tudo era eu, nunca nada mais que isto existiu, nem aquele chato ateu, parente teu.
Era eu, e eu era nada. Mas rolando no imaginário de meu coração, estava aquele atalho ateado de morango de verão. Parecia água.

E a gaveta? Pergunta-me o cético incrédulo.

Era a buceta da sua mãe, seu patético. Respondi grosseiro, mas na ofensa certeiro, pedindo calma pela minha alma de demência. De razão, clamo pois sofro carência. Amém...doim! Dois reais o pacote.
E no fim da noite o dia me sacode. Filho da puta, acorde! – Acordo, e oro. A arca não é de Noé, mas estou novamente a bordo! –E o morango? Grita-me o infinito, ainda que manco.

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