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sábado, 13 de novembro de 2010

FITO, ENBA, Raul Machado, Erik Voyager e muita Arte!

-FITO (Festival Internacional de Teatro de Objetos)
De 12 a 15/11
Campus UFSC Florianópolis
Informações e programação completa: http://www.fitofestival.com.br/home

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-ENBA (Instituto Escuela Nacional de Bellas Artes, Montevideo/Uruguay)
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*Conto, de Raul Machado.
A moça da gaita



Ela era moça tímida e retraída. Morava com a mãe e tinha poucas amigas. Era proibida de namorar e sair com garotos. Regra que ela sempre fez questão de seguir, em respeito à sua mãe sozinha, carente e extremamente ciumenta. Na escola ela sempre se sentava na primeira carteira, perto da professora e longe dos burburinhos que atrapalhavam a sua atenção. Nos intervalos ela era aquela garota que comprava seu lanche e voltava para a sala sozinha, comendo lentamente seu empanado de frango. Depois da escola, andava com seu passo curto e ligeiro direto para casa, almoçava com sua mãe e passava o resto do dia por lá.
Ela tinha a delicadeza de um vaso de porcelana chinesa cuidado por uma colecionadora antropóloga. Pele branquinha, magrinha, cabelo longo e escorrido, pé 36, rosto de anjo, bumbum bem redondo e empinado, peitinhos pequenos e salientes apontando para o céu e todos os dentes da boca no lugar certo. Já sua mãe era um pouco mais feia e já carrancuda por tantos tropeços na vida.
Nunca havia beijado a boca de um menino, nunca havia tocado um corpo que exala testosterona, nunca havia sentido mãos firmes segurando sua cintura ou sua nuca. Já havia se apaixonado, duas vezes, mas nunca falou com eles. Foram amores platônicos, que a fizeram escrever milhares de cartas românticas e músicas melosas na sua gaita, que a fizeram perder o ar e chorar ao lembrar-se deles antes de ir dormir, sozinha, na sua cama de solteira. Mas faltou-lhe coragem, nunca trocou olhares nem palavras com estes garotos.
Já havia sido abordada várias vezes por homens. Ela sempre fazia o sinal da cruz, fechava os olhos e ignorava as investidas. Segurava uma corrente com a Virgem Maria na ponta e saia andando com medo. Normalmente eram homens mais velhos, com olhares famintos, mas as vezes eram também garotos esquisitos do colégio.
Distante do amor, sua vida era focada em seus estudos, sua futura carreira profissional, sua mãe e seu prazeres na gaita e na escrita. Mas hoje ela está fazendo dezoito anos e tem um bolo na mesa da cozinha. Sua mãe, sentada esperando-a, abre-lhe um sorriso quando a vê chegar da escola.
-Parabéns minha filha!
-Obrigada. Vou para o quarto, mãe.
-Você está chateada? Alguém fez algum mal para você, minha filha?
-Mãe, hoje eu faço dezoito anos, minha festa de aniversário só tem você, e não tenho nada para fazer de divertido o resto do dia...
-Você não esperou eu te contar o seu presente...

A mãe se levanta, dá um forte abraço na filha, e lhe diz:

-Hoje eu estou te permitindo sair a noite! É seu presente minha filha. Você está crescendo!

A perna da moça treme, um calor repentino deixa sua face toda rosada e uma lágrima lhe escorre do olho esquerdo.
-Obrigada mãe. Você é tudo. Te amo.

O melhor vestido. O perfume caro emprestado da mãe. Sapato novo. Unhas pintadas. Maquiagem. Batom vermelho. A danceteria ia estar cheia hoje, ela tinha que estar impecável. Quando ela fechou a porta de casa, a mãe chorou. Ela partiu sozinha e imponente em direção à festa. Ela queria ser feliz. E beber um pouco também. Um bom vinho, quem sabe.
Foram três taças de vinho tinto barato. Ela se sentia poderosa. Lançava olhares como se fossem foguetes. Suas pernas flutuavam na pista. Suas mãos faziam teatro elegante. Ela caminhou dançando até o seu homem escolhido, apertou a mão dele, olhou nos olhos, olhou para a boca. Mas não beijou. Virou o rosto e saiu rindo. Ela estava no comando, pela primeira vez.
Antes das duas horas da madrugada ela estava de volta em casa. Dormindo feliz com seu dedo e seu clitóris.
No dia seguinte acorda perto do meio-dia, dá um beijo na testa da mãe enquanto ela prepara o almoço e vai para frente da casa. Escorando-se no portão, olhando o movimento da rua, pega sua gaita e começa a tocar. Com um fôlego surreal, sorrindo sem parar, ela toca, grita, canta, dança com o instrumento na boca, como se fosse um canudo da alegre loucura de viver. Com a outra mão, segura um lápis que rabisca o céu com um poema imaginário:

Hoje eu falo pela gaita
E se vocês não me entendem
Já não me importa mais
Pois os pássaros o fazem

E isto para mim basta
Estou, enfim, livre
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*"Meio poeta, meio mendigo / Assim sou meio qualquer coisa"
-Músicas, poemas e muito mais de Erik Voyager aqui: http://www.baresdaufsc.com/erick/index.html

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